sábado, 26 de março de 2011

O princípio da boa-fé objetiva

Neste trabalho, será analisado o principio da boa-fé objetiva, tanto no âmbito civil quanto no âmbito consumerista. A boa-fé objetiva é um principio incorporado aos contratos, portanto, tem moradia regular na área jurídica.

Para o Ministro Ruy Rosado de Aguiar, boa-fé é "um princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem comportar-se de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõem às partes comportamentos necessários, ainda que não previstos expressamente nos contratos, que devem ser obedecidos a fim de permitir a realização das justas expectativas surgidas em razão da celebração e da execução da avença".

Pode-se dizer que a boa-fé objetiva consiste na criação de deveres subentendidos, ou seja, não previsto nos contratos. Enquanto isso, a boa-fé subjetiva trata sobre a lealdade das partes, repercutindo na interpretação dos contratos.

A boa-fé objetiva nasceu no Código Civil Alemão, que determinava um modelo de conduta. Cada pessoa deve agir com honestidade, lealdade e probidade. Já a boa-fé subjetiva, por outro lado, vem do estado de consciência de cada ser racional, a intenção do sujeito da relação jurídica, seu estado psicológico ou intima convicção. Para sua correta analise, deve-se verificar a existência de situação regular, ignorância escusável ou convencimento do próprio direito.

Seguindo o entendimento de Roberto Basilone Leite, ele diz que “a boa-fé contratual é uma exigência ético-jurídica do antigo direito romano, legada ao nosso direito civil por intermédio do Código Napoleônico. Ela sempre mereceu destaque nos estudos de ética jurídica e inspirou todas as legislações democráticas.”

Para César Fiuza, “A boa-fé objetiva baseia-se em fatos de ordem objetiva. Baseia-se na conduta das partes, que devem agir com correção e honestidade, correspondendo à confiança reciprocamente depositada. As partes devem ter motivos objetivos para confiar uma na outra.”

Continuando com o entendimento de César Fiuza, “O princípio tem funções interpretativas, integrativa e de controle. Em sua função interpretativa, o princípio manda que os contratos devam ser interpretados de acordo com seu sentido objetivo aparente, salvo quando o destinatário conheça a vontade real do declarante. Quando o próprio sentido objetivo suscite dúvidas, deve ser preferido o significado que a boa-fé aponte como o mais razoável. Segundo a função integrativa, percebe-se que o contrato contém deveres, poderes, direitos e faculdades primários e secundários. São eles integrados pelo princípio da boa-fé. Em sua função de controle, o princípio diz que o credor, no exercício de seu direito, não pode exceder os limites impostos pela boa-fé, sob pena de proceder ilicitamente. A função de controle tem a ver com as limitações da liberdade contratual, da autonomia da vontade em geral e com o abuso de direito.”

Segundo preceitua o Mestre Nelson Rosenvald, a boa-fé objetiva se caracteriza “(...) por uma atuação de acordo com determinados padrões sociais de lisura, honestidade e correção, de modo a não frustrar a legítima confiança da outra parte (...)”.

O princípio da boa-fé contratual diz respeito à boa-fé objetiva. É dever imposto às partes agir de acordo com certos padrões de correção e lealdade.”

Para a professora Judith Martins Costa (In A Boa-Fé no Direito Privado, editora Revista dos Tribunais, São Paulo/SP, 1999, p. 34):

“Condutas eticamente inadmissíveis, embora conformes à “letra” da lei, serão acolhidas, nos tribunais, pela ausência ao recurso, por exemplo, ao princípio, decorrente da boa-fé objetiva, que proíbe venire contra factum proprium, irredutível, na sua aplicação, ao raciocínio silogístico”.

Destaca-se que a expressão latina venire contra factum proprium, podemos traduzir como “exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento exercido anteriormente pelo exercente”, o que evidencia a quebra da relação de confiança entre as partes quando realizam uma convenção.

Novamente, para melhor ensinamento, colaciono os ensinamentos doutrinários de Judith Martins Costa quanto à diferença entre boa-fé subjetiva e objetiva:

“A expressão ‘boa-fé subjetiva’ denota "estado de consciência", ou convencimento individual de obrar (a parte) em conformidade ao direito (sendo) aplicável, em regra, ao campo dos direitos reais, especialmente em matéria possessória". Diz-se ‘subjetiva’ justamente porque, para a sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Antitética à boa-fé subjetiva está a má fé, também vista subjetivamente como a intenção de lesar a outrem.

Já por ‘boa-fé objetiva’ se quer significar - segundo a conotação que adveio da interpretação conferida ao parágrafo 242 do Código Civil Alemão, de larga força expansionista em outros ordenamentos, e, bem assim, daquela que lhe é atribuída nos países da common law - modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico segundo o qual ‘cada pessoa deve ajustar a sua própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com honestidade, lealdade, probidade’. Por este modelo objetivo de conduta levam-se em consideração os fatores concretos do caso, tais como o status pessoal e cultural dos envolvidos, não se admitindo uma aplicação mecânica do standard, de tipo meramente subsuntivo.

A boa-fé objetiva, seguindo estes entendimentos doutrinários forma-se a partir de uma atuação de pensamento bilateral, onde cada pactuante age com lealdade, sem causar lesão ou desvantagem ao outro, cumprindo o interesse mor que é a realização dos interesses das partes.

O Estatuto consumerista brasileiro obriga à todos os envolvidos pela relação de consumo a obrigação agirem com boa-fé, com o objetivo de atingir os princípios do artigo 4º, quais sejam, o atendimento das necessidades do consumidor, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, a transparência e a harmonia das relações de consumo.

A boa-fé regra a conduta de cada ser, com o intuito de frear as pessoas que querem agir com má-fé e sim a forçá-los a agir lealmente, a exercitar os seus direitos contratuais, negando uma suposta vantagem excessiva ou a lesão do parceiro contratual.

Segundo a ilustre Claudia Lima Marques, “A relação contratual não libera os contraentes de seus deveres de agir conforme a boa-fé e os bons costumes, ao contrário, a vinculação contratual os impõem, os reforçam.”

Ensina Orlando Gomes, que: "nos contratos, há sempre interesses opostos das partes contratantes, mas sua harmonização constitui o objetivo mesmo da relação jurídica contratual. Assim, há uma imposição ética que domina a matéria contratual, vedando o emprego da astúcia e da deslealdade e impondo a observância da boa-fé e lealdade, tanto na manifestação da vontade (criação do negócio jurídico) como, principalmente, na interpretação e execução do contrato"

O Código de Defesa do Consumidor, transmite uma incomensurável contribuição no que tange as relações contratuais no Brasil e a positivação do princípio da boa-fé objetiva, como linha de interpretação, em seu art. 4º, III e como cláusula geral, em seu art. 51, IV, legalizando em suas normas, vários deveres que perseguem uma relação contratual justa.

O primeiro e mais vislumbrado das obrigações contratuais previstas no Código do Consumidor é o dever de informar

Este dever já é encontrado na fase de tratativas entre o consumidor e o fornecedor, quando o consumidor escolhe, por exemplo, o material de acabamento para a sua residência, qual o plano de saúde deverá proteger sua família pelos próximos anos, tipo, quais são as carências e as exclusões de cada tipo de plano etc. Neste ponto as informações se tornam os alicerces para a decisão do consumidor e não deve haver qualquer informação que levem o consumidor a erro, desde que as informações sejam relevantes.

Para Claudia Lima Marquez, “Esta inversão de papéis, isto é, a imposição pelo CDC ao fornecedor do dever de informar sobre o produto ou serviço que oferece (suas características, seus riscos, sua qualidade) e sobre o contrato que vinculará o consumidor, inverteu a regra do “caveat emptor” (que ordenava ao consumidor uma atitude ativa: se quer saber detalhes sobre o plano de saúde, informe-se, descubra o contrato registrado em cartório no Rio de Janeiro ou São Paulo... atue ou nada poderá alegar) para a regra do "caveat vendictor" (que ordena ao vendedor ou corretor de planos de saúde que informe sobre o conteúdo desse, riscos, exclusões, limitações etc). Estabeleceu-se, assim, um novo patamar de conduta, de respeito no mercado, que não admite mais sequer o dolus bonus do vendedor, do atendente, do representante autônomo dos fornecedores, face ao dever legal.”

O segundo principio de obrigação contratual o dever de Cooperação, ou seja, de colaborar durante a execução do contrato, conforme o paradigma da boa-fé objetiva, agindo com lealdade e não obstruir ou impedir.

Por exemplo, quando o consumidor necessite cumprir com suas obrigações perante ao fornecedor, e este dificulta o pagamento do consumidor, ao estabelecer situações que comprometam o cumprimento do avençado

Em seu artigo 51, o legislador declara como nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que estabeleçam condições abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada.

Portanto, viola o principio da boa-fé objetiva, a cláusula contratual que exonere o fornecedor da responsabilidade por defeito do produto, a que subtraia do consumidor a opção de reembolso de quantia já paga, a que transfira a terceiros a responsabilidade do fornecedor, a que estabeleça obrigação abusiva ou excessivamente onerosa para o consumidor, a que estabeleça inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor, a que atribua ao fornecedor poderes tais que agravem a situação de inferioridade contratual do consumidor, a que possibilite a violação de normas ambientais e, por fim, qualquer cláusula que esteja em desacordo como sistema de proteção ao consumidor, a critério do juiz ao qual o litígio for submetido.

Por fim, colaciona o entendimento da Juíza de Direito Doutora Cristiane Hoppe, em sentença proferida no processo número 112/1.03.0000695-0, na comarca de Não-Me-Toque:

“(....)

As relações contratuais devem ser pautadas pelo princípio da boa-fé objetiva, segundo o qual se mostra inadmissível a alteração unilateral do contrato, sem ao menos cientificar de maneira clara e precisa o outro contratante.

Assim determina o Novo Código Civil, em seu art. 422:

‘os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé’.

Este princípio da boa-fé e da probidade está ligado não só à interpretação do contrato, pois, segundo ele, o sentido literal da linguagem não deverá prevalecer sobre a intenção inferida na declaração de vontade das partes, mas também ao interesse social de segurança das relações jurídicas, uma vez que as partes têm o dever de agir com lealdade e confiança recíprocas, isto é, proceder com boa-fé tanto na conclusão do contrato como em sua execução, impedindo que uma dificulte a ação da outra.

A proteção da boa-fé e da confiança despertada formam a base do tráfico jurídico, a base de todas as vinculações jurídicas, o princípio máximo das relações contratuais. A boa-fé objetiva e a função social do contrato são como salvaguardas das injunções do jogo do poder negocial.”

Ante ao exposto, a função do principio da boa-fé objetiva, tanto nos contratos existentes no Código Civil quanto os existentes no Código do Consumidor é de um princípio que limita a autonomia da vontade, criando novas obrigações contratuais para ambos os pactuantes, que deve contar, para sua maior efetividade, com sua previsão legal específica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

n Aguiar, Ruy Rosado de - Estudos sobre a proteção do consumidor no Brasil e no Mercosul

n Leite, Roberto Basilone - Introdução ao direito do consumidor

n Fiúza, César - Direito civil: curso completo

n Rosenvald, Nelson - Direito das Obrigações, 2004.

n Marques, Cláudia Lima - Contratos no Código de Defesa do Consumidor - 3ª edição.

n Gomes, Orlando - Contratos. 18ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 1998.

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