sábado, 2 de abril de 2011

O Direito Alternativo como Instrumento Técnico

Ao juiz, compete-lhe aplicar o Direito, não sendo este, adstrito a nenhuma prova, todavia, o Direito Brasileiro ressalva que o juiz deve utilizar e deixar prevalecer as normas legais, conforme preceitua o artigo 126 do Digesto Processual Civil.

A lei, como mero critério de apreciação do direito, depende, dentre outros motivos, da índole, do costume de um determinado povo e, também, da época em que o fato se consubstancia, porém, “a melhor interpretação da lei é a que se preocupa com a solução justa, não podendo o seu aplicador esquecer que o rigorismo na exegese dos textos legais pode levar a injustiças” (RSTJ 4/1.554 e STJ-RT 656/188).

No RSTJ 26/378, o Min. Sálvio de Figueiredo leciona que: “a interpretação das leis não deve ser formal, mas sim, antes de tudo, real, humana, socialmente útil. E diz ainda, se o juiz não pode tomar liberdades inadmissíveis com a lei, julgando “contra legem”, pode e deve, por outro lado, optar pela interpretação que mais atenda às aspirações da Justiça e do bem comum”.

Entretanto, com todo o pequeno esboço supra, cabe atentar para a questão que paira no ordenamento jurídico recente, como o juiz pode interpretar a lei de forma real, humana e socialmente útil com tantos fatos memoráveis absurdos em que deparamos-nos a cada folheada de jornal???

Ao passo da interpretação “contra legem”, surge o julgamento por equidade, também proibido pela legislação vigente, salvo quando autorizado por lei, ou seja, não pode o juiz substituir a aplicação do direito objetivo utilizando seus critérios pessoais de justiça, e são nessas proibições que vem surgindo o movimento alternativista, ou como também é conhecido, jurisprudência alternativa.

Esse movimento surgiu na época da chamada Escola do Direito Livre, impulsionada pelo francês Paul Magnaud, lá pelos idos de 1900, reconhecido por ser um magistrado benevolente e condescendente protegendo os reconhecidamente mais pobres e verberando os abonados, assim, possui o cunho de defender os menos prestigiados pela sociedade, de forma a dar-lhes aquilo a que lhe realmente pertence..

Tal movimento chegou ao Brasil, trazidos por magistrados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e tem como impulsão o poder do magistrado de decidir, principalmente, conforme suas âmagas convicções ou ainda com o uso alternativo do Direito.

Outrossim, podemos analisar a seguinte assertiva como fundamento do Direito Alternativo: o homem deve viver em sociedade vivendo honestamente, não lesando a ninguém e dando a cada um o que é seu.

Normalmente, o julgador se depara com situações que lhe deixam perplexos, é quando ocorre um fato aparentemente previsto na legislação, mas dentre suas facetas, acaba se defrontando com os princípios que norteiam a justiça, todavia, para a solução da lide, o juiz utiliza o seu senso comum para dirimir questões como a citada.

Não posso deixar de citar o que o Juiz de Direito, Adalberto Narciso Hommerding, relatou no livro "Valores, Processos e Sentença, quando diz que "na condução de um processo e na elaboração de uma sentença, o momento de priorizar os valores depende do caso concreto. Às vezes é preciso deixar de lado o valor legalidade, o valor logicidade, e primar pelo valor ético, valor Justiça, valor dignidade da pessoa humana."

Oportuno trazer a lição de RICARDO JOSÉ ENGEL, esclarecendo que:

“Ressalta-se que a condição humana é o núcleo referencial para toda a axiologia jurídica, eis que o ser humano é o protagonista da vida, do Direito. Desta forma, o princípio da dignidade da pessoa humana pode ser considerado como princípio central e estruturante de todas as ordens jurídicas contemporâneas.”[1]

De sorte, todos os ensinamentos se reunem com o pensamento de Aristóteles, qual seja, de que o conteúdo das leis é a justiça, muito embora este filósofo tenha se preocupado com a aplicação da lei ao caso concreto, e sugeriu a eqüidade como forma de abrandar os rigores desta última.

Já o mestre Miguel Reale, diz que o Direito não se acha inteiramente condicionado pela historia; nem tudo é histórico e contingente no Direito, pois possui um núcleo resistente, uma constante axiológica, invariável no curso da Historia.

O Direito Alternativo faz criticas ao formato tradicional da administração da justiça e o vínculo histórico estreito que há entre Direito e poder estatal. O direito alternativo também surgiu como crítica ao dogmatismo jurídico, amplamente predominante nas escolas de Direito. Também é o caso dos estudos sociológicos, que apontaram para a inoperância do Poder Judiciário em relação aos direitos coletivos, difusos e às violações dos direitos humanos. Essa tendência crítica reforçou a necessidade de garantir o Estado de Direito e estendê-lo à população que mais necessita acesso à justiça.[2]

O Direito Alternativo é a união de concepções teóricas e as práticas jurídicas que contrariam à visão e à maneira corrente de se entender e exercitar o Direito.

“Ao mandamento da isenção do Direito responde o Direito Alternativo com a idéia de que toda concepção de Direito e toda prática jurídica é política, serve à conservação das estruturas sociais, ou é instrumento de denúncia dessas estruturas e de busca de sua transformação.

Ao dogma da “igualdade de todos perante a lei” contrapõe o Direito Alternativo a afirmação da desigualdade perante a lei, vigente numa sociedade economicamente desigual.

O Direito Alternativo é um convite para tudo ver com novos olhos, talvez com olhos de criança. Com olhos ao contaminados pelos interesses envolventes. Mas com cérebro adulto, capaz de enfrentar as incertezas e não se perder, enredado pelos sofismas dos que, muitas vezes, não defendem apenas uma concepção teórica e acadêmica de Direito. Com seus dogmas, defendem a ordem a que esse Direito serve, uma ordem-desordem. É ordem-desordem porque excludente de seres humanos. É “ordem” marginalizadora de vidas que têm, em sim mesmas, um valor transcendente.

Ao comodismo dos que se protegem de qualquer compromisso com a transformação social, sob o argumento de serem fiéis cumpridores da lei, responde, com ênfase, o Direito Alternativo. Construir um mundo novo, suprimir as injustiças estruturais, ouvir o clamor dos deserdados da lei, submeter a pauta legal a uma interpretação intervencionista, crítica, política – é dever ético do jurista”.[3]

Dentro do movimento do Direito Alternativo, temos quatro formas de utilização do mesmo, qual sejam:

a) O Positivismo de combate que visa dar maior eficiência aos direitos individuais e coletivos descritos nos textos legais e que não são aplicados em favor das classes desfavorecidas, ou seja, um tipo de legalidade sonegada.

b) O Uso Alternativo do Direito que é o reconhecimento da lei como método de julgamento, mas não o único, se a utilização do juiz não for suficiente para atingir os anseios da sociedade, deve ele, buscar a justiça, de forma a adotar medidas que visem dar uma solução justa ao caso concreto.

c) O Jusnaturalismo, que tem como preceito fundamental, a aplicação irrestrita dos direitos básicos, dentre os quais destacam-se, o direito à vida e à liberdade.

d) O Direito Insurgente ou “direito achado na rua”, que é a criação de um direito pela sociedade a ser aplicada nos casos de lacuna ou injustiça do direito estatal.

Atualmente, poucos magistrados se dispõem a dizer que são adeptos ao movimento alternativista, mas podemos resgatar trechos de inúmeras sentenças que prosperam o principal intento que visa tal movimento.

Feliz o exemplo do magistrado Rafael Gonçalves de Paula, da comarca de Palmas/TO, ao julgar dois acusados de furtar melancias. “Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Gandhi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional), poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém.

Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário. Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o Consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia, poderia dizer que George W. Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam privação na Terra — e aí, cadê a Justiça nesse mundo?

Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade. Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir. Simplesmente mandarei soltar os indiciados. Quem quiser que escolha o motivo.”[4]

Assim, a idéia principal deste escrito é atentar para o fato de que existe outras técnicas de utilização dos métodos de solução dos conflitos da vida em sociedade, que busca a o preceito fundamental do Direito. “ Ser Justo e buscar a tão almejada JUSTIÇA”.


[1] ENGEL, Ricardo José. O jus variandi no contrato individual de trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 32.

[2] A reforma do Poder Judiciário e as várias iniciativas que se encaminham na direção do acesso à justiça são indicadores importantes desta tendência contemporânea. O tema da cidadania também ganhou destaque nos últimos anos. Ver BAJER, Paula. Processo penal e cidadania. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002; e CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil. O longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

[3] Texto extraído do artigo de João Baptista Herkenhoff, publicado no Jornal Correio Braziliense.

[4] Autos nº 124/2003, Juiz Rafael Gonçalves de Paula, 3ª Vara Criminal da Comarca de Palmas, 05/09/2003.